quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

my heart eats beats


Depois de vinte anos, você acorda sozinho. Ah, se soubessem que eu podia ouví-los, às vezes, por mais que não quisesse. A vida lhe dá a oportunidade de se livrar dela temporariamente e a tira, nos fazendo um peso morto, ainda conscientes demais do mundo -- real, demasiadamente real. Ao contrário das vozes conhecidas, não posso ouvir, mas posso imaginar os suspiros de inveja dos suicidas. Um ano e oito meses morto, ouvindo tudo o que teriam a dizer às bordas do meu caixão, torcendo para ouvir preces, e memorizando tudo para, quando a vida enfim viesse, acusar: você, você e você não me amam de verdade, me esqueceram assim que morri! Você não morreu. E de que importa, vocês não estavam lá por mim de qualquer forma. Estamos aqui agora, e toda essa briga desnecessária por uma morte sequer permanente.

Talvez não, e aqui dou-lhes o benefício da dúvida, amigos que caminham nos beirais de prédios e ensaiam vôos partindo de pontes. Talvez, ao contrário do que todos acreditem, bem, quase todos, vocês não estejam só fugindo do sofrimento ou do que quer que desagrade-lhes tanto nesse mundo. Talvez -- e, se assim for, eu é que estou em condições de vos invejar -- vocês tenham alcançado tamanho grau de conhecimento da vida que simplesmente não a querem mais, como velhos enamorados, buscando na morte uma amante misteriosamente sedutora.

Mas não é dos mortos e dos que querem morrer que quero falar, mas sim dos ressuscitados. Daqueles que acordam de sonhos cansativos de uma vida inteira, daqueles que, como eu, estiveram mortos por vinte anos.

Foi assim: em um momento eu estava subvivendo a minha absolutamente normal subvida, e no outro eu senti não uma vontade ou necessidade, mas a capacidade de abrir os olhos. E assim o fiz. Sem fogos de artifício, sem anjos entoando um belo aleluia, sem sequer uma testemunha. Já tive orgasmos mais intensos que a minha volta ao mundo dos vivos, no qual eu, estranhamente, não me senti bem vindo.

Olhei à minha volta, meio perdido. Estava num hospital, e o teto me encarava de forma meio intimidadora. Percebi que estava na ala dos semimortos (ou, se você for um otimista irritante, semivivos): havia outros cinco caras dormindo. Dormindo, rá. Se eu parecia só um cara dormindo, porque diabos não me deixaram em paz? Porcurei algum botão próximo à cama, para chamar alguém, mas não encontrei. Acho que eles não esperam que a gente acorde - talvez, depois desse tempo longe, eu deva formar uma opinião sobre a eutanásia. Mesmo assim, mal pude aproveitar cinco minutos no silêncio vivo que desejei por tanto tempo, pois logo uma equipe inteira de médicos e enfermeiros apareceram. Fiquei meio constrangido. Será que eu devia dizer um oi-tudo-bem? Não sei o que se diz depois de acordar de um sono tão longo.

- Você pode me ouvir? - perguntou um doutor aparentando ser o mais velho, talvez o chefe.

- P-Posso - a voz falhando, depois de tanto tempo sem uso. - Por quanto tem- pigarreei - por quanto tempo eu dormi?

Foi uma enfermeira bonitinha que respondeu. - Vinte meses completos hoje. Parabéns. (O parabéns foi uma ilusão, acho. Mas eu senti que merecia.)

Então porque eu me sentia vinte anos mais velho? Talvez toda essa história de experiência de vida seja bobeira. Talvez tudo o que a gente precise seja de um tempo sozinho, um bom sono, para aprender, crescer, nos descobrir, qualquer que seja o seu objetivo. Será que eu alcancei o meu?

(continua. ou não)

Um comentário:

Bruna Carvalho disse...

Parabéns, gostei muito.
Fez refletir um pouco a respeito da "vida".